Em Redemoinho Em Dia Quente, seu primeiro livro de contos, Jarid Arraes retrata de forma contemporânea, mas sem deixar de lado suas raízes no cordel, o cotidiano de mulheres do sertão cearense. Foto:Acervo Pessoal/Drica Mendes.
*Por Drica Mendes
Nascida em Juazeiro do Norte, Ceará, foi somente quando se mudou para São Paulo que Jarid Arraes, já adulta, se encontrou com as personagens - todas mulheres brasileiras, em especial da região do Cariri - que compõem seu primeiro livro de contos. Filha e neta de cordelistas, a escritora já havia incursionado pela prosa em A Lenda de Dandara (2014), e nos versos com Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis (2017) e em O Buraco Com Meu Nome (2018). Diante da enormidade da metrópole e vivendo o anonimato, em contraposição a sua vida no sertão do Ceará, Jarid recorreu às mulheres de sua terra natal para se reconectar consigo mesma.
Em painel da Festa Literária
Internacional de Paraty (Flip), em 2019, quando foi a primeira mulher
cordelista a participar do evento literário, a autora contou: “Quando eu era
mais nova eu não sentia que pertencia ao Cariri, não me encaixava na cultura de
interior e na religiosidade. Voltei recentemente para visitar Juazeiro e
fotografando a cidade exercitei a observação: olhei com mais atenção para as
pessoas e para a região e ressurgiu um respeito que eu tinha deixado dormir”. E
esse reencontro rendeu uma obra única, reconhecida pela crítica (vencedor de
melhor livro de contos pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA)
em 2019 e avaliado como um dos melhores livros daquele ano pela respeitada
revista literária Quatro Cinco Um) e pelo público, que o colocou na lista
de mais vendidos no seu ano de publicação.
Nos 30 contos de Redemoinho Em
Dia Quente, conhecemos mulheres que não se encaixam em padrões e desafiam
expectativas. Em todas as narrativas ouvimos delas suas estórias, que por vezes
flertam com o fantástico, mas sempre trazem realismo e verdade. Jarid dá voz a
essas mulheres, retratando o cotidiano público e privado de suas personagens
com maestria, em um texto, que mesmo sendo em prosa, possuem o ritmo e a
oralidade do cordel.
Cada um dos contos tem um valor
único e traz encapsulado em suas linhas histórias plurais e protagonistas
mulheres que sintetizam muitas das memórias que a própria autora viveu enquanto
criança, adolescente e jovem adulta na região do Cariri. Figuras icônicas como
o Padre Cícero, figuram nas estórias apresentadas. Em uma situação surreal, o
símbolo do catolicismo local dialoga com uma senhora, beata, que por situação extraordinária
entra em uma viagem com alucinógenos. Em outros textos, anônimas trazem seus
anseios, alegrias e angústias. A dificuldade de ser uma mulher que trabalha com
moto taxi, uma jovem que sai do armário para a família, cartas nunca enviadas
para uma tia que não poderia lê-las, o resgate de um jegue que cai num buraco.
Temas como luto, violência doméstica, saúde mental, sororidade, fé e saudade
são genialmente trazidos à luz pela escrita de Jarid Arraes, uma especialista
em construir narrativas com cadência e humanidade.
Sobre a autora
Jarid Arraes, nascida em Juazeiro
do Norte, Ceará, em 12 de fevereiro de 1991, é escritora, cordelista e poeta
brasileira, autora dos livros As Lendas de Dandara, Heroínas Negras
Brasileiras em 15 cordéis, Um buraco com meu nome e Redemoinho em
dia quente. Atualmente vive em São Paulo, onde criou o Clube da Escrita
Para Mulheres. Até o momento, tem mais de 60 títulos publicados em Literatura
de Cordel, incluindo a coleção Heroínas Negras na História do Brasil.
Começou a publicar seus escritos
aos 20 anos de idade, no blog Mulher Dialética e começou a colaborar em blogs
como o Blogueiras feministas e o Blogueiras Negras e em 2013 se tornou
colunista da Revista Fórum, onde manteve o blog Questão de Gênero até fevereiro
de 2016. Na Revista Fórum, atuava também como jornalista e escrevia matérias
sobre as mais diversas ramificações dos Direitos Humanos, como feminismo,
movimentos de luta contra o racismo, direitos LGBT, entre outros.
Jarid morou em Juazeiro do Norte/CE até 2014 e participou de coletivos regionais, como o Pretas Simoa (Grupo de Mulheres Negras do Cariri) e o FEMICA (Feministas do Cariri), o qual fundou. Em dezembro de 2014 mudou-se para São Paulo, onde passou a fazer parte da ONG Casa de Lua até o seu fechamento. Atualmente, trabalha na área de edição do selo Farina, lançado em maio de 2018 pela editora Pólen, com foco em publicar autoras brasileiras. A formação inicial do Conselho Editorial do selo Ferina representou um marco em diversidade para o mercado editorial brasileiro, por trazer uma autora indígena, autoras negras, uma intelectual transexual, diversidade etária, entre outras.
*Drica Mendes é brasiliense, escorpiana, jornalista de formação, traça de livros, cinéfila de plantão e fã de gatos. Nas horas vagas faz tricô, crochê e costura. Escreve mensalmente no Cultura Sem Censura sobre literatura.